Institucional



04.04.2018
Artigos

Economia e Bem Comum. O cristianismo e uma ética da empresa no capitalismo

GASDA, Élio Estanislau. Economia e Bem Comum. O cristianismo e uma ética da empresa no capitalismo. São Paulo: Paulus, 2016. 352 p., 210 x 135mm – ISBN 9788534943666.

Élio Estanislau Gasda é doutor em Teologia, professor de Ética Teológica e Doutrina Social da Igreja na FAJE (Faculdade Jesuíta, em Belo Horizonte), investigador da área da ética econômica, política e social, com enfoque no capitalismo (sistema econômico) e no mundo do trabalho (setor produtivo).

A obra é resultado de anotações oferecidas aos participantes de Encontros de reflexão para dirigentes de empresa, de cursos de extensão da ADGE/MG (Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa/MG) promovidos em parceria com a Faculdade Jesuíta (FAJE), e de estudos sobre temas de Doutrina Social da Igreja, promovidos pela diretoria da ADGE/MG. É, portanto, fruto amadurecido de assessorias e debates. A publicação insere-se no campo temático das obras anteriores: Trabalho e capitalismo global: atualidade da doutrina social da Igreja (Paulinas, 2011) e Cristianismo e economia: repensar o trabalho além do capitalismo (Paulinas, 2014).

O mundo dos negócios ocupa o centro das preocupações do livro, dirigindo um olhar ético e religioso para a empresa, tendo-se em conta que a ética, como ciência que estuda os valores, os princípios e a normatividade moral, é um dos assuntos mais debatidos no momento, tanto na mídia quanto nas universidades, na política, economia, medicina etc. Por assim ser, a ética leva em conta a realidade e o contexto social no estudo dos comportamentos. A empresa, como organização que busca primordialmente fins econômicos, é uma instituição integrada no interior de um sistema econômico. Por isso, o livro a situa no interior do capitalismo atual.

O Autor esclarece que o livro não visa submeter toda a atividade econômica aos ditames da ética, mas quer identificar e explicitar o conteúdo ético que lhe é consubstancial. O texto reflete sobre o significado e a necessidade de uma ética para a empresa no contexto do capitalismo global, que proporcione uma base conceitual para apoiar sua atuação. Visando superar visões caricaturescas, o texto visa colaborar com a aproximação da ética à prática empresarial.

A obra está organizada em três partes. A primeira intitula-se: Ética, economia, empresa, capitalismo (7 capítulos); a segunda: Doutrina Social da Igreja (5 capítulos) e a terceira: Espiritualidade (4 capítulos).

Na primeira parte, no primeiro capítulo há o esclarecimento de que a ética da empresa está inserida no campo da ética. Economia, ética e empresa são realidades cuja vinculação pede uma justificação. A ética econômica diz respeito a todo campo de relações entre economia e ética; também se refere ao campo de sistemas econômicos, instituições e comportamentos. Diante disso, o Autor esclarece os conceitos de ética, economia e empresa, amarrando/reconciliando os conceitos e apontando sua interdependência.

O segundo capítulo mostra que o capitalismo pode ser entendido de duas formas: modo de produção, que se consolidou no século XVIII, ou sociedade capitalista como um todo, em referência às relações sociais, à cultura e à organização política. O Autor contextualiza a empresa nas várias fases pelas quais o capitalismo passou.

No terceiro capítulo apresenta o capitalismo como um sistema em permanente expansão, justificando, dessa forma, por que a empresa deve ser analisada sob esta perspectiva. A expansão do capitalismo se dá de forma horizontal e vertical, expande-se nas esferas produtiva e financeira, desembocando numa economia global liberal e financeirizada. Portanto, a empresa, no capitalismo contemporâneo, apresenta-se como global, liberal, tecnológica e financeirizada.

O quarto capítulo mostra que, desde que se configurou como tal, o capitalismo foi um sistema caracterizado por um progresso tecnológico acelerado, pois, as grandes transformações econômicas ocorrem quando há convergência de inovações nas áreas de comunicação e de energia. No início do século XXI, os três eixos sobre os quais se apoiam os modelos de desenvolvimento (comunicação, energia e transporte) estão entrelaçados e promovem um inédito progresso material, tecnológico e informacional. O conhecimento se converteu em fator imprescindível do desenvolvimento produtivo, na maquinaria, nos mercados, no consumo e nas finanças. Conhecimento agrega valor. Daí o título deste capítulo E-economy. É o termo que define o uso do conhecimento aplicado à tecnologia da informação e do conhecimento. As empresas aumentam a produtividade e expandem seus mercados, servindo-se destas tecnologias. E estas, por sua vez, reconfiguram constantemente a gestão empresarial, oferecendo formas sempre novas de produzir, administrar e vender. A transição da valorização do capital e do trabalho para a valorização dos saberes corresponde à mudança do fator estratégico de produção, sendo definida como capitalismo cognitivo. A empresa encontra-se diante de um sistema complexo altamente tecnológico e essa revolução tecnológica e social abre possibilidades enormes, um novo continente, o continente do conhecimento. Isso tudo resulta em novas maneiras de tratar o dinheiro, os produtos e as pessoas, fazendo-se a passagem da fábrica para a empresa, da administração para a gestão, onde as redes dão lugar à emergência de novos modelos de produção, organização, consumo e distribuição, numa economia colaborativa.

No quinto capítulo, o Autor, levando em conta a trajetória histórica, apresenta diversas tentativas de integrar ética à direção das empresas: Max Weber: a ética do trabalho; Werner Sombart: a transformação moral; Bernard Chester: a moralidade do dirigente; Peter Drucker: cultura corporativa; o conceito de responsabilidade social das empresas; Eduardo Freeman e os stakelolders.

O sexto capítulo retrata algumas provocações éticas que a sociedade traz às empresas: desigualdade social, trabalho escravo, exploração infantil, discriminação social e de gênero, planeta contaminado, consumismo e marketing, poder dos bancos, corrupção, sonegação e fraudes.

O sétimo capítulo, Em busca de uma nova identidade, aponta elementos e linhas que permitem repensar a identidade e o papel das organizações econômicas: competividade e/ou responsabilidade? Ética dos mínimos e/ou ética de máximos? Compromisso com o bem comum ou estratégia competitiva? O Autor serve-se do pensamento de Ildefonso Camacho no que entende ser possível pensar as linhas para o desenvolvimento de ética empresarial: analisar em profundidade as relações entre empresa e sociedade e extrair as implicações recíprocas que se seguem; o ter em conta que o debate pelo modelo de sociedade e de Estado deve refletir na ética empresarial. Pois, o interesse de ética da empresa pelas questões sociopolíticas é resultante da consciência de seu papel social e o que permite identificar e especificar relações e responsabilidade para com cada um é tarefa de ética empresarial. O capitulo conclui-se com exemplos de iniciativas oriundas do campo empresarial para a emergência de um novo conceito de empresa: O Pacto Global de Responsabilidade Corporativa, os Princípios Globais de Sullivan e a ISO 26000.

A segunda parte da obra coloca o leitor diante da perspectiva cristã, mais especificamente diante da Doutrina Social da Igreja, como proposta e contribuição para uma ética da empresa.

O capítulo primeiro mostra que o cristianismo é uma proposta de vida inspirada na pessoa de Jesus Cristo. Dessa proposta é possível retirar os princípios, valores e estilo de vida concretizada em diferentes âmbitos da vida humana bem como na vida econômica. Os elementos doutrinários podem contribuir para uma ética da empresa. Estes elementos nascem das Sagradas Escrituras e, posteriormente, das tradições e ensinamentos sociais dos quais a Doutrina Social é um deles.

O segundo capítulo apresenta o olhar da Doutrina Social da Igreja sobre a empresa: Rerum Novarum, de Leão XIII; Quadragesimo anno, de Pio XI (1931); Gaudium et spes (n. 63-72); a trilogia de João Paulo II: Laborem exercens (1981); Sollicitudo rei socialis (1987); Centesimus annus (1991); Caritas in Veritate, de Bento XVI (2009).

No terceiro capítulo, tendo por base o subsídio A vocação do líder empresarial – uma reflexão, do Conselho Pontifício Justiça e Paz, publicado em 2013, o Autor apresenta elementos éticos fundamentais para a empresa: a dignidade humana (o princípio ético da centralidade da pessoa humana constitui o patrimônio mais valioso da empresa) e o bem comum (colocar a sociedade a serviço da dignidade humana é ter em meta o bem comum).

O quarto capítulo, levando em consideração o subsídio do Conselho Pontifício Justiça e Paz, indica um conjunto de princípios que podem inspirar práticas empresariais: satisfazer as necessidades do mundo com bens que sejam verdadeiramente bons e sirvam verdadeiramente, sem esquecer, num espírito de solidariedade, as necessidades dos pobres e dos vulneráveis; o princípio de organizar o trabalho no interior das empresas, de modo que se respeite a dignidade humana; o princípio de subsidiariedade, que promove o espírito de iniciativa e aumenta a competência dos empregados, considerados coempreendedores, e o princípio da criação sustentável da riqueza e sua justa distribuição entre os diversos interessados.

O quinto capítulo expõe outros princípios: justa distribuição, trabalho e subsidiariedade. O Autor evidencia que, com a modernidade, o capitalismo e a Revolução Industrial, é necessário repensar o conceito da justa distribuição, levando-se em conta sua complexidade, organizando um trabalho bom e produtivo, erradicando trabalhos análogos à escravidão, em vista de um trabalho sustentável, com especial atenção à subsidiariedade.

A terceira parte do livro apresenta elementos para integrar a espiritualidade cristã na direção das empresas.

O primeiro capítulo parte da constatação de que a sociedade é acentuadamente materialista e, portanto, aparentemente, a dimensão espiritual tem pouco espaço. Apesar disso, a espiritualidade é uma tendência que vai influenciar a gestão das empresas nos próximos anos. Trata-se de uma integração complicada: espiritualidade, religião, vida profissional – agentes econômicos procuram espiritualidade, mas sentem-se pouco à vontade com a religião como recurso espiritual para a vida espiritual. A espiritualidade é algo restrito ao âmbito privado ou traz implicações sociais? Quais são as reais consequências da mensagem cristã no mundo da empresa? Tendo em consideração as dificuldades de integração e as perguntas que tal integração apresenta, o Autor esclarece o que entendemos por espiritualidade na perspectiva cristã e aponta suas características: trinitária, cristológica, encarnada, comunitária.

No segundo capítulo aborda-se a espiritualidade na vida cotidiana como uma das principais contribuições do cristianismo para o dirigente de empresa. A espiritualidade na vida cotidiana é entendida como a vivência de uma experiência personalizada que transforma a consciência e se reflete no estilo de vida. Criado à imagem e semelhança de Deus, o ser humano é chamado a colaborar com a ação divina no mundo; sua atividade se torna uma resposta permanente ao amor de Deus. Essa consciência distingue um empresário cristão de outros empresários e dirigentes. A espiritualidade é vivida no local do trabalho como resposta diária ao amor de Deus, no cultivo da mística, na resposta vocacional, no discernimento, no cultivo da esperança. O Autor propõe como método os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. Por meio deles, o individuo é colocado em condições de exercitar-se, tornando-se aberto à Palavra de Deus e ao discernimento.

O capítulo terceiro é de autoria de Carmen Migueles, professora da Fundação Getúlio Vargas. A Autora apresenta os desafios de uma empresa orientada por valores, sobretudo quando a empresa reconhece que o papel central de cada pessoa na empresa tem por objetivo o bem comum. A orientação por valores a serem cultivados na empresa, juntamente como o suporte ao desvelamento de potencialidades do outro, ajuda na prática de valores orientados pela ética e pela cooperação, o que permite que mais pessoas se beneficiem dos resultados econômicos numa perspectiva de geração de valor compartilhado em que todos ganham.

O quarto capítulo, escrito pelo engenheiro civil Sérgio Cavalieri, relata a experiência empresarial de 83 anos de atividades do Grupo Asamar. O relato desta experiência mostra o bem que as empresas podem fazer às pessoas. O Autor relata que o grupo deparou-se, em 1961, com a União Internacional dos Executivos Cristãos de Empresas – UNIAPAC, que trabalha com a formação de líderes de empresas para que pratiquem, como empresários, os mesmos valores que professam como cristãos. No Brasil, a UNIAPAC se faz presente pela Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa – ADCE. A Doutrina Social da Igreja serve de inspiração e fortaleza para que empresários e empreendedores superem questões delicadas e dilemas comuns no dia a dia dos empresários ao confrontarem fé e vida. Por isso, conclui o Autor, vale a pena seguir o caminho apresentado pela Doutrina Social da Igreja.

Diante do desprezo pelo Bem Comum e da má gestão política e econômica, temos uma excelente obra teológica para tomar contato com uma temática relevante e desafiadora para nossos tempos. Obra valiosa para estudar, refletir e se aprofundar a respeito da identidade e da missão de cristãos, diariamente envolvidos com as questões econômicas e empresariais. Algumas pessoas podem pensar ser impossível conciliar ética, economia e valores cristãos. Diante disso, o livro cumpre a função de conscientização e de apelo ético, demonstrando que não se trata de uma proposta utópica e idealista, mas que aponta para o que já está se realizando em muitas empresas. Com efeito, o livro reforça experiências concretas e aponta caminhos de como a economia, o bem comum, a empresa e os valores cristãos podem caminhar de mãos dadas.

Eliseu Wisniewski*

Rua Pedro Gawlak, 174

83704-560 Araucária – PR/BRASIL

E-mail: eliseu.vicentino@gmail.com

* Doutorando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

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