Institucional
11.07.2014
O Sagrado nas Culturas Bantu em Angola
Por: Frei Ermelindo Francisco Bambi 1. Quem são os povos Bantu? Os Bantu viveram inicialmente no norte de África, nas margens rio Niger. Devido à escassez de alimento, os mesmos foram obrigados a emigrar para o sul do Continente africano. Como eles já tivessem domínio do ferro, dominaram os nativos e, consequentemente, ocuparam os atuais territórios de Angola, da República Democrática do Congo e dos demais países da África austral. Bantu é plural de pessoa; Mutu é a palavra para o singular. Neste breve estudo traçarei um pequeno esboço da religiosidade e da visão de Deus destes povos, que formaram grandes impérios na África, antes da colonização europeia. Tinham crenças profundas na existência de um Deus supremo (Kalunga). Por isso, quando os europeus falavam de Deus, para eles não era novidade. Este estudo sobre a dimensão religiosa dos primitivos povos de Angola, em suas mais diversas etnias, dá destaque para os povos Bantu.[1] Com efeito, foram estes os que mais marcaram as práticas religiosas populares do povo angolano. O mesmo estudo indica o desafio para as igrejas cristãs: conhecer a dimensão religiosa das populações autóctones, em vista da convivência e do diálogo inter-religioso. “Há cinco séculos enfrentamos a evangelização em Angola. Dentro desses séculos, só vimos a dominação, a escravatura, a exploração e o extermínio do povo e a perda da identidade cultural. Para nós, a Boa Nova já existe dentro das nossas convivências. Como diz o Concilio Vaticano II: ‘A semente do verbo foi semeada em todas as culturas’”. Durante muito tempo falou-se em “africanos”, como se os povos deste Continente fossem uma única categoria biológica. Não se levou em conta a diversidade cultural. A generalização “africanos” foi uma criação colonial, que, infelizmente, perdura na cabeça de muitos até o dia de hoje. Na realidade, o que existe, há mais de 20 mil anos, é uma grande variedade de povos, com história e cultura diferentes. Em particular, nas narrativas da história de Angola, os nativos sempre foram definidos pela negação: “não têm escrita”, “não têm cultura”, “não têm religião” – “pois não têm templos nem ídolos”, como dizia um jesuíta na época colonial –, “não têm lei”, “não têm governo e não têm história”. A isso, fazemos uma observação critica: será que somente a cultura ocidental europeia é válida para todos os povos? Uma religião só se manifesta na construção de templos e igrejas? Só consiste na elaboração de leis e no estabelecimento de hierarquia? Será que a única forma válida de governo é a europeia? Outras questões mais sobre esse assunto poderiam ser levantadas, mas não é este nosso objetivo. O que, antes, era visto a partir do prisma da ausência ou da limitação, agora é visto como uma diferente maneira de ser. Os povos africanos não são, portanto, nem piores e nem melhores do que os europeus. São simplesmente diferentes. Uma coisa eles tinham e têm, porém, em comum: o temor a Deus. 2. O profundo sentido de Deus A ideia de Deus perpassa todas as religiões. Também as africanas. Muitos povos africanos têm a noção de um Deus criador, que, em seguida à criação, se afastou, intervindo, porém, no mundo através de entidades espirituais ou de heróis civilizadores, isto é, humanos de grandes poderes. Esse herói é também o ancestral. Por isso, até hoje é muito forte o culto e a devoção aos antepassados. Os antepassados são pessoas dotadas de poderes espirituais que exercem a função de mediadores entre os humanos e Deus. No catolicismo, equivaleria à devoção aos Santos. A criação do mundo na concepção Bantu Brevemente, segundo Leopold Shenghor,[2] esta é a história de Nzambi e do povo Bantu da região do rio Congo, cuja tradição oral remonta ao século V aC.: “Nzambi estava sozinho nas águas escuras do nada. Desejava ter companhia, mas sem luz, não podia procurar por uma. Certo dia, sentiu dor de barriga e vomitou o Sol. De repente, havia luz em toda parte. Depois, Nzamba vomitou as estrelas e a Lua, e, assim, a noite também tinha luzes piscantes e suaves. No dia seguinte, vomitou nove criaturas diferentes, incluindo a tartaruga, o leopardo, a águia, o besouro, o crocodilo e um peixe chamado Yo. Ele também criou o relâmpago e, finalmente, vomitou homens. As criaturas recriaram a si próprias e também fizeram outros animais. Yo Criou todos os peixes do mar, o besouro criou todos os insetos, o crocodilo, todos os animais de pele fria. Nzambi estava preocupado com o raio. O raio era um encrenqueiro e ele teve de persegui-lo e levá-lo de volta para o céu, embora ainda encontrasse chances de visitar a terra ocasionalmente, quando não estava sendo esperado. Quando a criação foi concluída, Nzambi disfarçou-se de homem e viajou por todas as aldeias dizendo às pessoas como havia criado tudo”. Para os Bantu, povo que ocupou grandes áreas no norte e noroeste de Angola, Deus criador era chamado de Nzambi, que significa o todo-poderoso. Criou o céu, a terra, os homens e tudo o que existe. O presente mundo é apenas uma cópia ou sombra do verdadeiro mundo, que fica no Além. Por isso, todo empenho dos Bantu é o de alcançar o Kalunga, a Terra sem Mal, onde as pessoas não envelhecem, onde não é preciso trabalhar, onde a caça já vem aos pés do caçador e onde não há nem sofrimento nem morte – paralelo à Profecia de Isaías, na Bíblia. 3. O sagrado e o profano No universo Bantu não há separação entre o sagrado e o profano. Tudo é sagrado: a natureza, a vida e a morte. A doença não é vista como algo físico, corpóreo, mas como a consequência de um malefício espiritual praticado por alguém. É o que chamamos de feitiço e que pode ser controlado pelo Kimbandeiro ou terapeuta tradicional. O feitiço existiu em todos os povos da antiguidade e ainda existe em muitas culturas. Entre os Bantu é chamado de Kindoki ou Wanga. O feitiço ou força maléfica pode ser transmitido de diversas maneiras através de restos de comida, de objetos pessoais, como um fio de cabelo ou uma peça de roupa. Há casos em que, vindo uma pessoa a falecer, a última pessoa que a tenha visitado é acusada de provocar aquela morte. Para combater o feitiço há rezas fortes e rituais, muitas vezes, com perdas de vidas humanas. Quando um Kimbandeiro não consegue tirar um feitiço ou evitar a morte de alguém, é considerado incompetente, podendo mesmo ser responsabilizado por aquela morte. A união entre o sagrado e o profano faz com que todas as ações devam ser iniciadas com uma oração ou um sinal religioso. Por isso, os Bantu rezam antes de entrar na mata para caçar; rezam para pedir a bênção dos grãos que serão plantados; rezam antes de viajar, rezam antes de fazer uma fala, pedindo que Deus o inspire para dizer apenas as coisas boas; rezam, enfim, sempre e em todo lugar. Ou seja, a vida do africano é uma constante oração. A religião animista, que caracteriza este povo, vê Deus em tudo. 4. A natureza como lugar sagrado Nas sociedades tradicionais a natureza é sempre vista com olhar religioso. Olha-se tudo, e em tudo vê-se Deus. A religião Bantu é manifestamente animista. Por isso, não encontramos templos de adoração. A religião Bantu dispensa templos, porque Deus está em tudo e em todos. Por considerarem os rios igualmente morada dos espíritos, os Bantu evitam urinar em suas águas, bem como falar muito alto em suas margens, ou seja, os rios